Quando o corpo pede o que as emoções precisam
- Francine Porfirio
- 1 de jun.
- 2 min de leitura

Marina estava com dor no pescoço. Mais uma vez. Ela sentia que a musculatura da região estava sempre tensa, como se estivesse constantemente tentando segurar o peso da cabeça — e dos pensamentos. Na frente do espelho, enquanto passava o creme que prometia aliviar a tensão, refletia sobre como precisava melhorar sua postura. Talvez comprar uma cadeira ergonômica? Ou voltar ao pilates, que abandonou há meses?
No trabalho, mal parava. Cumpria as tarefas com precisão e agilidade, mas nem sempre com atenção ao que sentia. Aliás, sentir era algo que Marina havia aprendido a suspender um pouco — não por frieza, mas por funcionalidade. Em meio à correria, notar as emoções parecia luxo. O que precisava mesmo era de foco, força e um bom anti-inflamatório.
Também estava constipada há dias, mas culpava o café em excesso e a pouca água. Começou a andar com uma garrafinha nova, cronometrando goles. A nutricionista havia recomendado mais fibras, e Marina comprou uma aveia importada. Cuidar do intestino, ela pensava, era pura questão de disciplina alimentar.
Dormir, então, tornara-se mais difícil. A insônia persistia, apesar do ajuste recente na medicação. O psiquiatra garantira que, em mais algumas semanas, o corpo se adaptaria. Marina torcia para que sim. Não queria aumentar a dose — só queria dormir oito horas seguidas como lia nos artigos sobre saúde mental.
Ela era uma mulher prática. Gostava de soluções concretas, medidas objetivas, dados confiáveis. Sentia orgulho de cuidar bem do corpo, mesmo que esse "bem" fosse, quase sempre, sinônimo de controle. Quando o corpo gritava, Marina o silenciava com raciocínio técnico: postura, alimentação, rotina. E mesmo quando tudo isso parecia ajustado, as dores voltavam. Como se não bastasse, às vezes também chorava sem saber por quê — e atribuía ao "cansaço acumulado".
Foi só numa conversa despretensiosa com uma amiga que algo dentro dela deu um estalo. A amiga comentou que vinha percebendo suas próprias dores como recados do corpo quando suas emoções estavam sendo ignoradas. Marina ouviu com interesse, mas também com desconfiança. Ainda assim, a ideia ficou martelando.
E se o pescoço rígido não fosse só a cadeira?
E se a constipação tivesse a ver com tudo o que ela não conseguia soltar emocionalmente?
E se a insônia não fosse apenas um desequilíbrio químico, mas o eco de um silêncio emocional prolongado demais?
A história de Marina é comum. Muitos de nós fomos ensinados a cuidar do corpo como se ele fosse uma máquina — ajustável, previsível, independente daquilo que sentimos. Só que o corpo fala. Ele não apenas sinaliza o que acontece biologicamente, mas também carrega os traços emocionais de nossa história de vida e de nossos hábitos afetivos.
Negligenciar as próprias emoções, silenciar necessidades internas, sufocar desconfortos, exige esforço. E esse esforço não é invisível: o corpo o traduz em dor, tensão, cansaço, insônia, retenções.
Reconectar-se ao próprio corpo como uma totalidade — física, emocional e simbólica — é uma das propostas da psicoterapia. Ela nos ensina a escutar o que o corpo diz quando as palavras faltam. A traduzir dores em perguntas. A perceber que autocuidado não é só manutenção física, mas sobretudo presença com o que se sente.
Porque o corpo avisa. E com o tempo, avisa mais alto.


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