Sobre se cobrar demais – e se permitir de menos
- Francine Porfirio
- 1 de jun.
- 3 min de leitura
Atualizado: 1 de jun.

Paulo é um homem de opinião. Não ter o que dizer sobre algum assunto o incomoda muito. Não que Paulo seja arrogante ao exibir os seus conhecimentos – inclusive, policia-se muito para não soar desrespeitoso –, ele apenas busca ter uma postura colaborativa com os outros. É importante, para Paulo, ser confiável. No trabalho, isso se faz notar quando Paulo é constantemente consultado (afinal, dificilmente ele não terá alguma colaboração a dar), já que a sua disposição em ajudar sempre se destaca. Confiança, para Paulo, representa o respeito obtido por merecimento e crédito diante de alguém.
Por sua postura, Paulo percebe que as pessoas geralmente o procuram quando precisam de algo. Por isso ele sente que dá muito mais do que recebe, e que o seu senso de utilidade muitas vezes se torna um fardo. Ele gostaria de poder relaxar tanto quanto as demais pessoas ao seu redor, principalmente diante das falhas. Talvez isso fosse possível se afrouxasse um pouco mais as rédeas de sua vida, porque elas machucam os dedos com a força de seu agarre.
Certa vez, mais cansado do que admitia estar, Paulo deu uma resposta mal-humorada a uma colega no trabalho. Ela veio consultá-lo sobre algo que poderia ter pesquisado sozinha, obviamente por ser mais cômodo. Foi necessário interromper suas atividades para auxiliá-la, e o fato de isso parecer irrelevante para ela é que despertou sua irritação. Sentiu-se desrespeitado.
– Nossa, que azedume é este? – criticou a colega com um riso frouxo.
É claro que, apesar da resposta mal-humorada, Paulo lhe dera a informação solicitada. Ele só esperava que ela percebesse não tê-lo feito de bom grado, para que notasse sozinha sua postura inadequada – algo que Paulo certamente faria em seu lugar. As palavras dela, contudo, o deixaram ainda mais contrariado. Ela não entendeu ter sido quem provocou sua irritação. Ele hesitou entre explicar por que respondeu assim e fingir descaso. "Não vale a pena", concluiu ao pensar que um possível desentendimento com a colega teria consequências mais desagradáveis do que aquele breve incômodo.
– Eu não dormi muito bem hoje – acabou por dizer.
E quando ela se afastou, depois de recomendar que levasse o dia sem muito esforço, Paulo de novo desejou soltar um pouco mais aquelas rédeas difíceis de controlar.
A história de Paulo é um convite para pensarmos sobre como excessos, por mais virtuosos que pareçam, podem dificultar exercitar uma flexibilidade maior na vida. O fato de Paulo associar seu valor no mundo principalmente com aquilo que é capaz de entregar, com o quanto pode colaborar, produz certa rigidez na imagem que deseja sustentar de si mesmo.
É claro que Paulo reconhece não ser possível estar disponível aos outros ininterruptamente – em certos momentos, terá de provocar desagrados com ocasionais recusas –, mas emocionalmente parece não conseguir lidar facilmente com isso. Em sua história de vida, é provável que esta aprendizagem foi se firmando com muito custo.
Paulo representa o quanto podemos nos perder nos nossos próprios valores quando eles passam a dificultar uma definição mais clara dos nossos limites – a nós mesmos e aos outros. Para soltarmos as rédeas um pouco mais, permitindo-nos ampliar as linguagens de nosso valor no mundo e relaxar com mais frequência em função disso, precisamos aprender a lidar com as emoções incômodas de não estarmos totalmente disponíveis nem agradarmos as pessoas sempre.
Se você se reconhece um pouco na história de Paulo, talvez também esteja se cobrando demais — e se permitindo de menos. A psicoterapia pode ajudar a soltar essas rédeas, aos poucos, com mais leveza e liberdade emocional.


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